MALUNGOS: MEMÓRIA DA ESCRAVIDÃO NO SUL DE MINAS

Apresentação
Dentro do programa Dandara, o projeto “Malungos: memória da escravidão no sul de Minas” procura recuperar a memória da escravidão, bem como dos africanos e brasileiros escravizados, na região do sul de Minas no final do século XVIII e no século XIX, sendo destinado à formação complementar de docentes a partir da difusão da recente produção historiográfica e de fontes documentais sobre a economia e sociedade da região nesse largo período. Seguindo os marcos das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que preveem a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira na rede de ensino, a iniciativa destina-se a suprir uma lacuna relativa ao conteúdo histórico local na formação continuada de professores do ensino médio e fundamental de escolas da região. No médio prazo, a conscientização histórica dos efeitos da escravidão no Sul de Minas permite ainda questionar discursos que naturalizam as posições marginalizadas ocupadas por descendentes de ex-escravizados.

Objetivos
1. Incluir os alunos de graduação e pós-graduação que cursam ou cursaram História Econômica Geral e Formação Econômica do Brasil na produção de conteúdo e seleção de fontes documentais para a formação de docentes do ensino médio e fundamental, sensibilizando os alunos do ICSA/UNIFAL-MG acerca dos efeitos históricos da escravidão na região. 2. Permitir que docentes do ensino médio e fundamental e, indiretamente, seus alunos tenham acesso de forma mais sintética a pesquisas acadêmicas e atualizadas sobre a história da escravidão na região. 3. Difundir a utilização de fontes históricas variadas da região (censos, inventários, mapas, artigos de jornal e fotografias, por exemplo) e relacionadas à escravidão no ensino médio e fundamental, contribuindo tanto para o resgate da memória local quanto para a conscientização histórica do tema. 4. Contribuir para a divulgação do acervo histórico de arquivos da região que contém fontes para o estudo da escravidão. 5. Auxiliar os docentes a elaborar material didático com o emprego dessas fontes locais para o ensino da história afro-brasileira.

Justificativa
O sul de Minas representa uma das áreas principais da formação e reprodução do escravismo no século XIX, tendo suas origens ainda no último quartel do século XVIII, quando deixou de ser apenas uma região de fluxo entre São Paulo, Rio de Janeiro e o núcleo duro da mineração centrado na comarca de Vila Rica, bem como aumentou sua autonomia com relação a São João del Rei. Na época atual, a região apresenta uma importante população preta e parda vítima de fortes desigualdades sociais e econômicas e do silenciamento institucional e cultural que perduram pelas gerações de descendentes de africanos e brasileiros escravizados após mais de 130 anos da abolição. O mapa da distribuição espacial da população segundo cor ou raça (pretos e pardos), publicado pelo IBGE em 2010, mostra uma representação gráfica da distribuição espacial da população preta e parda para o sul de Minas. De forma geral, a maior parte da região apresenta uma população preta e parda de 25 a 50% do total, havendo uma concentração superior, de 50 a 75%, no núcleo formado por Três Pontas, Varginha e Três Corações, justamente uma área de maior influência do campus Varginha da Universidade Federal de Alfenas. Dessa forma, o campus Varginha pode exercer uma contribuição relevante na conscientização crítica das consequências históricas da escravidão na formação local e na promoção de uma educação antirracista. Desde o início do século XVIII, com as descobertas auríferas, a região da comarca do Rio das Mortes, na porção mais meridional de Minas Gerais, esteve umbilicalmente ligada à formação de uma economia de abastecimento alicerçada no trabalho escravo. São João del Rei e, em menor medida, São José (atual Tiradentes) foram os dois grandes núcleos urbanos que articulavam os fluxos mercantis da parte meridional da capitania. Como vários historiadores têm enfatizado, o declínio da extração aurífera no terceiro quartel do século XVIII não ocasionou uma decadência generalizada de Minas, mas o seu reordenamento demográfico e econômico nucleado na comarca do Rio das Mortes. Mesmo antes desse período, a população escrava da comarca do Rio das Mortes havia passado de 7 mil escravizados em 1723 para quase 27 mil em 1767, que correspondiam a 21% dos cativos na capitania. Às vésperas da independência, em 1821, a população escrava da comarca aumentou para 85 mil, representando 47% de todos os cativos em Minas (Almeida, 2005). Ao longo do século XIX e antes do impulso da cafeicultura na década de 1880, a economia escravista da antiga comarca do Rio das Mortes teve seu crescimento sustentado pela produção de alimentos, criação de animais, cultivo de tabaco, exportações de porcos, gado vacum, queijo, toucinho e tecidos de algodão destinados ao mercado consumidor da capital do império, processo impulsionado pela transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, mas também pelos fluxos com São Paulo e a região central de Minas. A região do sul de Minas tornou-se cada vez mais autônoma com relação à preponderância de São João del Rei sobre toda a comarca. A criação das vilas de Campanha (1798), Baependi (1814) e Jacuí (1814) apontou o crescimento dos antigos povoados e arraiais surgidos ainda na primeira metade do século XVIII. Em 1821, as três vilas possuíam 13% do total de escravos de Minas, enquanto as demais vilas da comarca do Rio das Mortes (São João, São José, Queluz, Barbacena e Tamanduá) compreendiam 28% do total. De 1830 até o final do império, foram criadas 28 novas vilas. Indício de sua importância econômica, a parte sul da antiga comarca do Rio das Mortes era responsável pela arrecadação de 22% das receitas totais das coletorias de Minas entre 1850 e 1870 (Almanak Administrativo, Civil e Industrial de Minas Gerais, 1873, p. 581). O censo geral de 1872 fornecem os dados mais completos da população escrava para a totalidade do império (Recenseamento do Brazil em 1872). Se Minas Gerais figurava como a província com o maior contingente de população escrava, a posição do sul de Minas não passava despercebida. Apenas dentro de Minas, um em cada cinco escravos estavam na parte mais meridional da província. Uma informação particularmente impressionante é que um em cada vinte escravizados de todo o país vivia no sul de Minas. Se a região fosse uma província própria, seria a sexta mais populosa quanto ao número de escravos (76 mil), atrás apenas de Pernambuco e com metade da população escrava de São Paulo. No sul de Minas, as vilas de Baependi, Lavras, Campanha, Três Pontas e Alfenas, em ordem decrescente, eram as que possuíam maior número de cativos entre as 17 vilas da região, segundo o mesmo censo.

Beneficiário
Docentes do ensino médio e fundamental do sul de Minas, profissionais do ensino, membros da comuidade interna (discentes, docentes e técnicos da UNIFAL-MG) e membros de movimentos sociais e locais de luta contra o racismo que tenham interesse na formação complementar.