HISTÓRIAS DE VIDA DE SUJEITOS PRIVADOS DE LIBERDADE E O PARADIGMA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM ENCONTRO COM A LITERATURA UNIVERSAL

Apresentação
Trata-se de uma proposta de intervenção no sistema Prisional e na APAC de Alfenas/MG. A atividade será conduzida pela profa Vanessa Girotto em parceria com professores que integram esse projeto, bolsistas, voluntários que participam da formação teórica e metodológica. O trabalho será centrado no esforço por trazer uma ideia de justiça restaurativa por meio do trabalho com os clássicos universais. O projeto se faz importante por entendermos que o paradigma da justiça brasileira ainda está baseado em uma ideia de retribuição, vingança, ou seja, o foco não está na resolução dos conflitos, mas sim em sua punição. A proposta de uma justiça restaurativa está baseada na construção e no aprofundamento de pertencimento e significado nas relações bem como a facilitação na resolução, gestão e transformação de conflitos e das violências em diferentes contexto. A leitura dialógica da literatura universal realizada por meio da atividade de tertúlia literária dialógica orientará a condução da ação.

Objetivos
1- Identificar as histórias de vida alienantes (que culminam em situações de danos) por meio do encontro entre vítimas e ofensores 2- Identificar as histórias de vida não alienantes por meio do encontro entre vítimas e ofensores 3- Analisar o impacto na promoção de justiça restaurativa por meio dos clássicos universais

Justificativa
Trata-se de um projeto de intervenção socioeducativa na penitenciária de Alfenas. Entendemos a real necessidade de recriação de sentido para muitos que já perderam a essência da questão central da vida. O Art. 24 da Lei de Execução Penal estabelece como objetivo a formação para o fortalecimento da concepção de Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena por meio do resgate das histórias alienantes e não alienantes das pessoas envolvidas nos danos. A utilização da literatura universal como eixo condutor de todo o trabalho justifica-se pelo fato de que historicamente a humanidade tenta reparar danos sofridos e causados por meio de alguns princípios de justiça. Desde a Grécia antiga a justiça é apresentada como forma de solução para os possíveis conflitos da época. Temos como exemplos na literatura universal o julgamento de Orestes (Orestia de Ésquilo); o Mito de Sísifo; o tribunal de Palas Atenas, entre outros. Assim, dialogar com essas histórias na tentativa de promover uma concepção de justiça que seja restaurativa e não punitiva é a centralidade dessa proposta por estar baseada na construção e no aprofundamento de pertencimento e significado nas relações, no desenvolvimento dos direitos humanos, na facilitação, resolução, gestão e transformação de conflitos e das violências em diferentes contextos. Para o desenvolvimento dessa ação é necessário o estabelecimento do encontro entre vítimas e ofensores, encontro esse conduzido pela atividade de tertúlia literária dialógia. As tertúlias dialógicas têm como propósito a reflexão compartilhada sobre questões contemporâneas que afetam o indivíduo em privação de liberdade, como: liberdade, trabalho, família, relações sociais, violência, inclusão/exclusão, dentre outros. A tertúlia dialógica se organiza com base na leitura de obras clássicas (literatura, arte, por exemplo)com o objetivo de construção de uma relação dialógica entre as pessoas participantes. Tal atividade surgiu na segunda metade dos anos 90, inspirada em iniciativas educativas literárias da própria população e passa a ser desenvolvida em diferentes tipos de entidades como: escolas de pessoas adultas, associações de mães e pais, grupo de mulheres, entidades culturais e educativas. A atividade chega ao Brasil através de vivências na Verneda de Sant-Martí por pessoas do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE/UFSCar), no ano de 2002 e no ano seguinte, em São Carlos, é iniciada na UATI (Universidade Aberta da Terceira Idade), com a participação de homens e mulheres de diferentes idades, grupos sociais e grau de escolaridade. Posteriormente, no ano de 2007, a atividade de Tertúlia Literária Dialógica começa a acontecer em diferentes espaços de formação educacional, em escolas municipais do ensino fundamental com crianças, professoras e familiares envolvidos (GIROTTO, 2011). No ano de 2017 a atividade começa a acontecer no sistema prisional e torna-se a centralidade dos estudos e pesquisa da proponente deste projeto de extensão. A tertúlia dialógica é uma atividade que se diferencia das demais práticas de leitura não apenas pelo seu caráter dialógico, mas também pela sua organização e funcionamento. Enquanto a Leitura Dialógica é um conceito que está baseado na proposta de alfabetização de Paulo Freire, a Tertúlia Literária Dialógica é uma atividade baseada na leitura dialógica. Na atividade de Tertúlia Literária Dialógica lemos os clássicos Universais por entender que eles possibilitam ao leitor ampliar a linguagem oral e escrita, bem como permite diferentes formas de compreendê-los, independentemente do contexto em que é lido. Outro argumento para a leitura da obra clássica é tais obras despertam nos leitores os sentimentos inerentes ao ser humano como o amor, o ódio, a raiva, a fome, a tristeza, a honestidade, entre outros e ao despertá-los surge a possibilidade de falar sobre eles. Esses temas são considerados universais pois fazem parte das relações da sociedade em qualquer contexto e em qualquer época. (GIROTTO, REIS, 2018). Vimos que, pela justiça retributiva, a sociedade, de forma geral, coloca o foco no julgamento e classificação das pessoas como “cidadãos do bem”, ou “bandidos”, ou seja, as comparações podem ser uma forma de julgamento. Os altos índices de crimes recorrentes apenas apontam para o óbvio: violência gera violência. Nery, Gabassa, Kler & Barbosa, 2021 afirmam que: “é preciso questionar, vivenciar, sensibilizar a nós e aos outros, entendendo os processos de desumanização que nos rodeiam para apresentarmos formas de romper com esses meios, atuando na contramão de sua perpetuação, por meio de propostas educativas inclusivas e emancipadoras. (p. 4)”. Assim, justificamos a proposição desse projeto por entendermos a necessidade de considerar os aspectos que envolvem o indivíduo para além daquilo que observamos e julgamos.

Beneficiário
No sistema prisional serão atendidos em média 100 pessoas divididas em celas de, em média, 20 pessoas. Na APAC serão atendidos, em média, 50 pessoas.