HISTÓRIAS DE QUANDO A ÀGUA CHEGOU

Apresentação
Registrar histórias da tradição oral na forma escrita é um recurso comumente utilizado na Literatura. Diante disso, é correto afirmar que, durante a história da humanidade, a oralidade sempre esteve presente como fonte inspiradora que, no caso específico da região do sul de Minas, se pode constatar que existe um acervo considerável de histórias da tradição oral. Por sua vez, decorridas já mais de cinco décadas desde a inundação provocada pela Usina Hidrelétrica de Furnas, muitas dessas histórias, que se consideravam perdidas ou esquecidas, voltam à memória e às rodas de conversa às margens do Lago de Furnas, principalmente com o período de baixa no nível das águas, deixando à mostra as ruínas de um passado submerso, assim como foram registradas, por exemplo, pelo escritor alfenense Waldir de Luna Carneiro. Em suma, a proposta tem a finalidade de recolher, antes que se percam, esses relatos e, ao serem registrados, disponibilizá-los para fazer parte do acervo cultural da região sul-mineira. Assim, dada a amplitude desse registro, se pretende dar continuidade a novas ações e/ou atividades dessas histórias, seguindo o que foi já registrado e produzido em 2016.

Objetivos
Fazer um levantamento das histórias orais que ainda não foram registradas, visando a produção de um novo um documentário inédito em DVD, com depoimentos sobre essas outras histórias. Disponibilizar o material para pesquisas futuras nas áreas da sociologia, folclore e literatura. Produzir um documentário (outro) sobre as principais histórias levantadas durante o processo de pesquisa das histórias orais.

Justificativa
Desde a implantação da Usina Hidrelétrica de Furnas, as autoridades governamentais e a empresa Furnas Centrais Elétricas demonstraram preocupação em reduzir os impactos econômicos e ambientais gerados a partir da construção da barragem que originou o grande lago que cobriu mais de 1400 Km² de terras férteis. Contudo, muito pouco foi feito com relação à preservação da cultura de tradição oral que havia na região e que também sofreu grandes impactos com a inundação e a chegada de novos moradores. Na fundamentação desta ação extensiva cultural, nos deparamos com Antônio Candido (2006), autor que busca focalizar os vários níveis da correlação entre literatura e sociedade, onde a função da produção literária é referida constantemente à estrutura da sociedade. Na visão deste renomado autor, trata-se da abordagem correta que a literatura oral deve receber, principalmente no que diz respeito ao estudo conjunto entre folclore, sociologia e literatura como meio de se fazer um estudo mais completo dessa manifestação cultural. Já Jan Vansina (2015) faz um profundo estudo sobre as sociedades de tradição oral africana buscando oferecer algumas concepções do que é tradição oral que foram muito úteis para o direcionamento teórico deste projeto. Como já assinalado na apresentação, ao resgatar histórias da tradição oral de cidades do entorno do Lago de Furnas, Waldir de Luna Carneiro escreveu duas obras marcantes. A primeira delas é a comédia “A Represa”, originalmente chamada de “Na Boca das Furnas”. A peça, encenada em três montagens diferentes, mostra como os habitantes da região receberam a notícia da construção da barragem. Na história, a usina hidrelétrica ainda não foi construída e a inundação ainda não aconteceu. A trama mostra a reação contrária do Coronel Nestor Bezerra, que é um símbolo do poder político da região. No final da trama, o coronel acaba aceitando a construção da barragem após ser nomeado fiscal da obra pelo governo. E em “O Cristo Submerso”, o mesmo autor aborda o drama dos moradores das terras alagadas, pessoas simples que viviam em pequenas propriedades e vilarejos que ficaram submersos e tiveram que mudar de suas terras. A trama também envolve questões religiosas, como a transferência de templos e cemitérios. O estudo dessas obras foi complementado pela leitura do texto “Waldir de Luna Carneiro: entre a comédia e o cotidiano” (CARVALHO, 2014). Também foram importantes para a elaboração desta ação os dados disponibilizados pela Internet, em páginas oficiais de órgãos como Furnas Centrais Elétricas, Diocese de Guaxupé e Associação dos Municípios do Lago de Furnas (ALAGO). Acreditamos que a realização de uma ação cultural extensiva que resgate o surgimento de novas histórias orais que se originaram a partir de um evento grandioso como a construção da barragem, se justifica pela riqueza que tais histórias carregam em si. O material que será recolhido, além de fonte de consulta para futuros estudos de ação cultural nas áreas social, folclórica, histórica e literária, entre outras, também poderá ser instrumento de inspiração para a criação de outras possíveis ou novas obras de ficção, como foi no caso de Waldir de Luna Carneiro e outros autores (inclusive discentes) que, certamente, poderão ser descobertos no desenvolvimento desta ação. O fato de que grande parte da história da implantação da Usina Hidrelétrica de Furnas estar registrada pela imprensa e por documentos oficiais, tanto do Estado quanto da Igreja, também gera o agravante da desvalorização dos relatos orais sobre os fatos que marcaram aquela época. Contudo, a imprensa das décadas de 1950 e 1960 era predominantemente escrita e, dos poucos registros em audiovisuais, a maioria absoluta é de autoridades da época. Os relatos das pessoas que sofreram o impacto direto foram ouvidos somente por quem estava próximo a elas. O registro das histórias da oralidade geradas a partir da implantação do lago da Hidrelétrica de Furnas em um documentário em vídeo abre caminho para o que Antônio Cândido chama de uma interpretação justa da literatura oral. A linguagem do vídeo permite a captação da fala em todas as suas variações retóricas, além do gestual que o falante utiliza. Além disso, aspectos emocionais do enunciador são facilmente captados pela tecnologia disponível atualmente, tanto com relação ao áudio quanto ao vídeo. Também é possível captar, em documentário, a reação que os ouvintes têm enquanto a história é contada, fato de profunda relevância para o estudo da oralidade na literatura. Além do mais, a proposta do projeto está amparada nas diretrizes curriculares de uma ação cultural.

Beneficiário
Discentes, professores, estudantes, pesquisadores, pessoas da comunidade sul-mineira em geral.